sábado, 5 de outubro de 2019

Ensaio sobre a Irmandade

Querida irmã, sangue do meu sangue, orgulho do meu orgulho. Partilho contigo a minha incomensurável vontade de chorar. Não é sempre, é certo. Mas o resultado é, inevitavelmente, sempre o mesmo. As lágrimas que quero chorar, as lágrimas que guardo dentro de mim, temo que não sejam minhas. Serão tuas? Pergunto-me se, num acto incondicional de amor, não terás assumido as rédeas da minha mágoa, da minha dor profunda, da minha inquietude visceral? Serás tu quem chora as minhas lágrimas?

Tenho saudades dos dias passados a brincar contigo. A vida, então, era bucólica, um poema com início, mas sem fim. O tempo não tinha pressa, os nossos risos e sorrisos enchiam de cor as paredes dos nossos quartos.


Desejo, com todas as forças que tenho, que um dia possamos voltar a estar mais perto um do outro. Porque a vida, mais perto, tem mais sentido. Porque a vida, mais perto, pede ao tempo para esperar.

Que as lágrimas de hoje, dêem lugar a sorrisos amanhã.


quarta-feira, 21 de março de 2018

O teu mundo

Fazemos parte de um plano. É mais do que certo.

Interessa de quem? De quando? Porquê? Não sei.

Sei que sou feliz neste jardim, contigo a meu lado, com o aroma das flores coloridas, com o silêncio próprio de uma natureza decidida.

Estou sentado, em contacto com a terra húmida que transpira o calor abrasador que não nos deixa respirar, e penso: “O deus que existe, não é o teu deus. É o deus de todos, é o deus de ninguém.”.

Um deus sem cor, sem facção determinada, sem preferência por raças ou culturas, um deus com “d” minúsculo.

Sê tolerante. Repito, sê tolerante. Somos especiais, os melhores do nosso género, quando somos tolerantes.

Não te esqueças: fazemos parte de um plano. A diversidade faz parte do jogo. E o jogo ainda agora começou....

sábado, 24 de fevereiro de 2018

O presente de amanhã

“A importância de viver o agora”, dizem. Sei que devemos viver o presente. Eu sei. Mas sem negligenciar o futuro, certo? 

Quantas mais são as ataduras que nos amarram ao passado, maior é a neblina que nos impede de ver e, por vezes, antecipar o futuro (ainda que conscientes da incerteza inerente ao tão abstracto conceito de tempo que está por vir).

Apostemos os nossos trunfos no futuro, gastemos as nossas energias a planear o presente de amanhã.

Vive o agora, com os olhos postos no que de bom e mau te espera ao virar da esquina.

Se julgas que tentar prever o futuro é coisa de videntes, permite-me a ousadia de dizer-te que rever o passado é coisa de tontos.


sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Ressuscitado

Nunca me esquecerei de gostar de ti.
Porque tu és o aroma primaveril dos meus sonhos, o ar que inspiro antes de mergulhar nas profundezas dos meus pensamentos.
Tempestade e bonança ao mesmo tempo, és um furacão de coisas boas que apenas constrói à sua passagem.
Se tivermos que morrer amanhã, morreremos felizes.
Que a ilusão do passado, presente e futuro não nos afaste daquilo que somos.
Não somos dois, somos apenas um.
Hoje, sempre e para sempre.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Este não é um texto sobre caracóis

Na sua essência, o Homem é um ser egoísta e intolerante. Ou talvez isso seja apenas fruto da sua racionalidade suprema, e nada tenha que ver com essências ou semelhantes patacoadas.

Mais uma vez, e vivêssemos nós na Idade Média, certamente que teríamos assistido ao apedrejamento e, quiçá, a um ou outro atear de fogo, dirigidos a umas quantas bruxas defensoras dos "direitos dos caracóis". Como o tempo da inquisição já lá vai, aproveitemos, então, as redes sociais para canalizar todas as nossas energias, ódios e frustrações no escárnio e mal dizer.

A minha opinião sobre o assunto? Sim, têm razão, certamente que haverá um bilião de outros assuntos muito mais carecentes de dedicação por parte de TODOS nós. Mas, e depois? O que é ridículo aos nossos olhos, seguramente não o será aos olhos de todos os demais. Onde querem, afinal, chegar? Gostaria de ter a capacidade para entender, mas afigura-se-me insuficiente. Pelos vistos, a rebelião de insurgentes é toda ela defensora das mais nobres causas.

Se é verdade que o tema nos oferece material suficiente para o mais variado tipo de piadas? Sim, claro que sim, e ainda bem que assim é. Vivemos num estado de direito e, como diz o provérbio, rir é o melhor remédio.

Mas, ainda assim, falta-nos coragem. Coragem para aceitar as diferenças, coragem para aceitar a nossa intrínseca mediocridade, coragem para defender o que quer que seja.

Que soberba a nossa considerarmo-nos melhores e mais capazes do que aqueles que defendem aquilo em que acreditam.

P.S.: não, não sou vegetariano, mas cedo a minha dose de caracóis.



domingo, 24 de maio de 2015

Com sentimento, sem razão.

Sónia Guerreiro
No teu coração, o sol põe-se tarde, quando a brisa que nos acalenta o espírito ainda sopra com uma fragrância primaveril. O dia nasce veraneante, sempre, nos teus grandes e bonitos olhos. À tua passagem, quando o sol atinge o seu momento mais glorioso, caduca-se o que efémero já o era. Mas o ciclo não termina aqui, pois enquanto danças sob a chuva invernosa que nunca se esquece de nos lembrar o quão maravilhoso é o nosso mundo, enquanto os teus pés descalços acariciam a terra húmida que nos dá vida, nascem as flores que nos animam a acreditar que, neste nosso cantinho, tudo é possível. E podemos, nesse momento, meditar sobre os desígnios que aqui nos trazem, com sentimento, sem razão, de olhar profundo no horizonte das nossas almas, questionando o que deve ser questionado, chorando e rindo até que nos falte o ar.


segunda-feira, 13 de abril de 2015

Sei que és tu.

Sónia Guerreiro
Sei que és tu. Noutro tempo, noutra vida, talvez noutro mundo. 

Sei que me espreitas a todo o instante, que caminhas a meu lado quando cruzo a estrada.

Choras comigo quando o sol nasce sem vontade, ris quando a música chega ao nosso coração.

Tu és um mundo em si, um mundo com pétalas de rosa que perfumam a beira-mar numa tarde de verão, que mesclam o aroma do mar com o nosso amor mais genuíno, que embalam os nossos espíritos ao som da melodia que nos chega vinda do longínquo horizonte.

A vida é penosamente efémera. Quando um dia deixarmos de ser aquilo que somos, apenas restará o que tivermos conseguido imortalizar de forma espontânea.

Que o nosso amor seja uma delas.


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O adeus ao dia de hoje

Somos, enquanto vivemos. Depressa, nem pó seremos.

A mágoa não te cabe por ser infinita. Chorar, sim, mas quem nos diz que valerá a pena?

A revolta rasga a terra que pisas, surge das profundezas com uma inquietude desconcertante, entranha-se em ti sem pejo ou hesitação.

Hoje, quando és tudo e apenas aquilo que está por vir, buscas recuperar num só momento aquilo que julgas ter ficado para trás. Doce ilusão de quem procura reparar o passado.

Multiplica, no amanhã, tudo o que de bom há em ti.

Sente, sente sempre antes de pensares. E abraça-me, se me quiseres abraçar.

Este é apenas o adeus ao dia de hoje.


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Furacão

daqui.
Um furacão de emoções arrebatou-me o peito, feriu-me de morte o espírito, vindo de um céu azul bem longínquo, um céu por nascer num amanhã que talvez não chegue.

Mas a vida não é o amanhã, a vida não é o ontem que já foi, a vida é este preciso momento, o agora que sempre o será. A vida são os vinte e um por cento de oxigénio do ar que inspiramos a todo o instante.

E tu com medo de dançar, porque o chão te foge dos pés. Com medo de voar, por te faltarem as asas. Com medo de arriscar, porque receias perder o nada que tens.

Desapega-te das ligações ilusórias que te prendem a este chão que não é teu. Egoísmo crónico o nosso, que nos impele a chorar por aquilo que não é digno de lágrimas, que nos leva a esquecer o quanto sofreram os nossos antepassados para termos aquilo que temos hoje.

É esta mortalidade com que nascemos que dá cor à vida, vida que tantas vezes nos parece madrasta.

Mas tu não queres uma vida a preto e branco. Queres um arco-íris de vida.

Segura a minha mão. Está na hora de despertar.


terça-feira, 18 de novembro de 2014

Morrer uma última vez

Sónia Guerreiro
Não sabes o que escrever. Sentes-te presa, de mãos e pés atados a uma cadeira de ferro antigo, ferrugento, atirada ao mar com violência e destinada a bater no fundo na tua companhia.

Em momentos de aflição como este, o tempo abranda, enfraquece, perde o seu propósito. Tenta voltar atrás, mas não lhe é permitido.

O oxigénio escasseia. Não chega para dar vida ao sangue que, assustado, procura dar força e algum alento a um coração perdido por entre desilusões inesperadas em momentos de aparente felicidade.

E estás sozinha. Sozinha. Porque de cada vez que morremos, apenas nos temos a nós, a mais ninguém. E não são poucas as vezes que morremos nesta vida.

O mar que te envolve, o mar que te persegue, não é mais que um mar de lágrimas por chorar.

Permite-te morrer uma última vez. A vida que começar amanhã, será a melhor das vidas que já viveste.


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

um demónio em mim

não fez sol, no dia em que decidi matar-te.
talvez, por isso, tenha sentido a tua falta, ainda antes de deixares de o ser.
cansei-me de te ter tão perto de mim, a todo o momento, presente em cada pensamento, sempre com uma maldade visceral que me fazia sentir senhor de uma parcela do imenso inferno.
não quero pedaço de terra alguma.
prefiro um céu que desconheço, ou um mar que se afogue em mim.
guardaste o teu sorriso para os momentos em que fiquei sem chão.
viraste-me costas quando a felicidade me alumiava o espírito.
quando o meu discernimento se deixou subjugar pela tua aura desconcertante, cometi o pecado de ver em ti um aliado.
e tu, mostraste-me um mundo que eu nunca quis conhecer.
um mundo onde a seleção natural estás nas tuas mãos.
ainda sinto no meu ombro o peso da tua mão, as tuas unhas afiadas cravadas na minha pele, o meu ser a latejar continuamente.
és um demónio em mim.
ser desprezível que não se deixa abater.
sorri, uma última vez.


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Incoerências

Da mesma forma que beber não é compatível com a condução (é fácil de entender porquê), fumar não combina nada bem com a prática de desporto.

Tenho amigos que fumam, naturalmente. Uns até, já crescidos, fumam às escondidas (e isto lembra-me sempre a história do meu cão que, ainda antes de alguém se aperceber da asneira que fez, denuncia a mesma através das orelhas caídas e do ingénuo semblante de culpa).

No entanto, de entre aqueles que fumam, apenas alguns me perturbam o espírito. Refiro-me àqueles que, por hipótese, fumam ene cigarros por dia, correm outros tantos quilómetros por semana, e ainda vão levantar uns pesos ao ginásio (missão cumprida?). Meus amigos, eu pergunto-me: porquê?

Sempre me deixei entusiasmar por paradoxos, o que me traz à memória outra história. A história do homem mais sortudo do mundo, que todos os dias acordava feliz e que, no mesmo instante, dizia para si mesmo: "Eu adoro viver!". Só que acontece que o homem tinha um estranho costume: todos os dias pegava no seu revólver, cujo tambor guardava apenas uma munição, rodava este último como quem roda uma roleta e premia o gatilho com a mesma descontração de quem se espreguiça pela manhã.

Um dia, teve azar.


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A ti

Não sei o que sentirá quem se vê forçado a contemplar o nosso mundo de longe, que tipo de saudade lhe correrá nas veias e irromperá do coração, privado de tudo aquilo que conhecemos.

A solidão profunda é uma força impetuosa e devastadora, que nos corrói por dentro até ao âmago do nosso ser, que nos descaracteriza e nos torna num estranho aos nossos olhos quando miramos a nossa imagem refletida num qualquer mar de profunda tristeza.

Por isso choro, sim, quando viajo para bem longe daqui e te vejo prostrada à beira-mar, perdida por entre pensamentos que, de forma veemente, buscam a distorção da realidade num sonho que já não volta, um sonho malogrado num abismo despojado de quaisquer emoções ou desejos.

Choro por ti de cada vez que viajo ao passado, antes ainda de te conhecer, e te encontro solitária, sem chão, entregue a pensamentos que, de modo fugaz, procuram uma explicação para aquilo que não é justo, aquilo que nem mil anos de reflexão ajudariam a entender.

Somos mais felizes quando nos entregamos à natureza, ao sabor do vento que desfolha as árvores, à brisa ligeira que sopra do mar, ao imenso céu que todos os dias nasce com uma nova esperança.

Não é por mais que eu escolhi entregar-me a ti.

A ti.


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Desassossego

A idosa sentada no topo das escadas da Rua da Mãe d'Água, com a mão direita a segurar uma bengala envelhecida pelo sol e a mão esquerda a pedir esmola. Teria a idade da minha avó, com uns olhos grandes e vivos, embaciados por uma angústia inquietante.

O valor da esmola dada pouco importa, pois em nada irá alterar o rumo da sua vida, qualquer que seja ele.

Segui caminho, com a mente em busca de uma espécie de catarse que não encontrei.

Este é um país estranho. Ou talvez seja eu o estranho, rodeado por tantos outros estranhos que procuram resposta para perguntas que não se perdem pelo caminho.



terça-feira, 16 de setembro de 2014

Animais

Cada vez mais perto daquilo que sempre fomos, sem máscaras ou dissimulações. Somos animais, continuaremos a sê-lo. Quão paradoxal poderá ser aquela notícia em particular que nos chocou, se tivermos em conta que, na nossa essência, não passamos de animais, espécie dominante num planeta que (graças a deus?) permitiu a existência de vida?

Julgamo-nos seres especiais, por vezes predestinados, porque assim a vida é mais fácil. Tudo assumimos, sem questionar, e porque não? Pensar cansa, dirão alguns. Sonhar, agir, amar, lutar por aquilo que é certo, tudo cansa, naturalmente.

Por essas e por outras razões, a maioria de nós prefere nada fazer (il dolce far niente, quiçá). A velocidade com que surgem as interrogações, é a mesma com que se desvanecem.

De machete em punho, talvez fossemos capazes de desbravar algum terreno, de mostrar a uns quantos que não vale tudo neste jogo, de mostrar que, por vezes, um sorriso (sincero?) tem que se esforçar para tocar o céu. Doutra forma, de animais nunca iremos passar.

Fala-se em desumanização com alguma substância, em discursos ingénuos de quem não conhece a realidade do nosso mundo. Somos animais governados por animais num reino animal, à semelhança da alegoria de George Orwell.

E desenganem-se aqueles que acreditam na existência de uns quaisquer santos cuja missão é a de nos salvar. 'Cause there are no saints in the animal kingdom. Only breakfast and dinner.