segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Descida ao Inferno

Quando lá cheguei, já era noite. Para meu enorme espanto, o Inferno em chamas que esperava encontrar, não o era. O calor que nos cresta a pele, que nos incinera o espírito e nos inflama a mente, não habitava aquele local de coração aberto e céu estrelado.

O único som que se fazia ouvir era o respirar da noite, cadenciado, harmonioso. Havia árvores, muitas, de pequeno e médio porte, cuja ramagem vibrava à passagem do vento sem que ao ouvido se fizesse sentir.

Espreitei o relógio de pulso que trazia comigo. Os ponteiros eram como que adereços vítimas de uma inusitada inércia, marcando um tempo incerto num local pouco dado ao tempo.

Espelhos. Havia-os por todo o lado, com mil olhos perscrutadores que vigiavam os meus passos, com mil olhos inquisidores que rebuscavam a minha mente. À passagem por cada um, o reflexo mantinha-se fiel ao anterior e não lograva as minhas expectativas. Era o diabo que eu via refletido em cada espelho, não estivesse eu no Inferno.

Perdido o norte, dei comigo a caminhar em círculos. Receoso de não ver cumprida a missão que me levara ao lugar dos demónios, encontrei-me entorpecido por todos os medos que em mim existiam.

Mas o diabo, qual bom samaritano capaz de surpreender o mais descrente, tomou a liberdade de afugentar tais temores, num ato divino de redenção.

Sentindo-me revitalizado, fui ao teu encontro seguindo um caminho que não estava destinado, contrariando, ferozmente, o que estava escrito nas estrelas.

Encontrei-te aninhada junto ao sopé de uma árvore envelhecida por um tempo que teima em não passar.

Abracei-te, levei-te comigo. Para bem longe do Inferno.


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