segunda-feira, 16 de julho de 2012

Além

Sónia Guerreiro
O frio abatera-se sobre aquele inóspito local com uma força surpreendentemente opressora, como se alguém tivesse decidido parar o tempo por momentos, suspender a vida por uns instantes.

Não pude prever o que estava para acontecer, embora, se tivesse tido a capacidade de o imaginar, nada teria sido diferente.

Cheirava a terra molhada e a lareiras de outono. O nevoeiro a passar em pano de fundo, silencioso como um espírito errante numa noite perdida no tempo. A chuva caía, delicadamente, na água imensa daquele lago, talvez receosa de o acordar.

Eu, sentado naquele pequeno barco a remos, tão-somente imerso nos meus pensamentos, pensamentos sem sítio para onde fugir.

A morte surgiu em forma de mulher e, sem pedir permissão, sentou-se bem junto a mim. Porquê a sua presença? E donde havia surgido assim de repente?

As interrogações prolongaram-se durante largos minutos, enquanto o frio me enregelava a alma. Creio que instantes houve em que deixei totalmente de pensar (quiçá se os pensamentos não fugiram realmente?), como se adormecido por um qualquer superior estado de meditação.

A sua presença era-me indiferente. Sei que não estava ali por mim, para me dar a mão e me levar para bem longe, onde nem o frio se é capaz de sentir, onde o vazio se torna tudo.

"O que é isso do amor", perguntou-me precipitadamente, "do qual todos falam sem consenso?". "Onde posso encontrá-lo?", concluiu.

Fiquei genuinamente perturbado com aquele momento, temendo, é certo, que pudesse assumir uma intemporalidade característica dos momentos fruto da nossa imaginação.

A verdade, é que não sabia o que responder. "Só o poderás encontrar dentro de ti, certamente, no dia em que te libertares de todos os medos que te acompanham e que, obstinadamente, negas existirem dentro de ti. Sobre o seu significado... bem, poderia aqui estar uma vida inteira para encontrar a sua definição perfeita, ainda que consciente da sua inexistência. Mas uma vida não seria suficiente, e tu... tu nunca irias esperar por mim".

E a morte esfumou-se por entre os meus dedos, deixando presente um aroma a amor. Mas afinal... o que é o amor?


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