domingo, 22 de julho de 2012

Ensaio sobre o ressabiamento

Sónia Guerreiro
Hum... então, vamos por partes.

Perfeito, só mesmo o nosso querido deus, que  ainda assim  se tramou quando quis brincar ao "vamos-ver-quem-é-o-primeiro-a-dar-a-dentada-no-fruto" (herege? Não sou perfeito, certo?).

Posto isto, é inequivocamente desnecessário  eufemismo para "estúpido"  invetivar (ainda que de forma muito subtil e harmoniosa) e censurar os outros, por "aqueles" defeitos que não somos capazes de reconhecer em nós próprios (mas que existem, e que nos conferem aquele sorriso e olhar especiais quando a cólera se incendeia dentro de nós).

Pureza intacta não existe (existiu, sim, antes da "dentada"), por isso seremos bem mais felizes se nos conformarmos com algumas das coisas que nos vão surgindo ao longo da vida, ao invés de andarmos de braços no ar com um placar a expor os ditos defeitos, qual menina sorridente num ringue de boxe.

Em suma, não fará sentido procurarmos uma desacreditação de nós mesmos de uma forma tão gratuita e, diria, irrefletida, pois essa será, certamente, a via mais fácil de nos tornarmos vítimas da nossa própria armadilha.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

No meu coração

Dentro de ti, existem flores que nunca antes vi.
Sónia Guerreiro

O sol exulta quando te vê, feliz por poder brilhar com toda a sua força.

O mundo gira como um peão que não quer tombar, radiante por sentir os teus passos.

Quantas estrelas, lá longe, não disputam o melhor palco, para conseguirem preencher o teu céu.

A lua concede-te o dom da levitação, para que possas sobrevoar os nossos mares.

A mim, resta-me dar-te um beijo de boa noite, na esperança que, amanhã, possas acordar no meu coração.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Além

Sónia Guerreiro
O frio abatera-se sobre aquele inóspito local com uma força surpreendentemente opressora, como se alguém tivesse decidido parar o tempo por momentos, suspender a vida por uns instantes.

Não pude prever o que estava para acontecer, embora, se tivesse tido a capacidade de o imaginar, nada teria sido diferente.

Cheirava a terra molhada e a lareiras de outono. O nevoeiro a passar em pano de fundo, silencioso como um espírito errante numa noite perdida no tempo. A chuva caía, delicadamente, na água imensa daquele lago, talvez receosa de o acordar.

Eu, sentado naquele pequeno barco a remos, tão-somente imerso nos meus pensamentos, pensamentos sem sítio para onde fugir.

A morte surgiu em forma de mulher e, sem pedir permissão, sentou-se bem junto a mim. Porquê a sua presença? E donde havia surgido assim de repente?

As interrogações prolongaram-se durante largos minutos, enquanto o frio me enregelava a alma. Creio que instantes houve em que deixei totalmente de pensar (quiçá se os pensamentos não fugiram realmente?), como se adormecido por um qualquer superior estado de meditação.

A sua presença era-me indiferente. Sei que não estava ali por mim, para me dar a mão e me levar para bem longe, onde nem o frio se é capaz de sentir, onde o vazio se torna tudo.

"O que é isso do amor", perguntou-me precipitadamente, "do qual todos falam sem consenso?". "Onde posso encontrá-lo?", concluiu.

Fiquei genuinamente perturbado com aquele momento, temendo, é certo, que pudesse assumir uma intemporalidade característica dos momentos fruto da nossa imaginação.

A verdade, é que não sabia o que responder. "Só o poderás encontrar dentro de ti, certamente, no dia em que te libertares de todos os medos que te acompanham e que, obstinadamente, negas existirem dentro de ti. Sobre o seu significado... bem, poderia aqui estar uma vida inteira para encontrar a sua definição perfeita, ainda que consciente da sua inexistência. Mas uma vida não seria suficiente, e tu... tu nunca irias esperar por mim".

E a morte esfumou-se por entre os meus dedos, deixando presente um aroma a amor. Mas afinal... o que é o amor?


terça-feira, 10 de julho de 2012

Palavras

Sónia Guerreiro
A combinação perfeita de palavras pode tornar-se a solução para quase tudo.

Por essa razão, e porque acredito naquilo que escrevo, das cicatrizes do meu corpo arrancarei a doutrina por mim criada, aquela que te fará feliz até no passado que já viveste.

As minhas palavras serão o elixir para o amor eterno, mesmo quando dos meus lábios apenas ouvires o silêncio dos meus pensamentos.

Aguarda-me.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Se a dor fosse...

Sónia Guerreiro
Se a dor fosse como um fogo ardente dentro de mim, como se em mim chovessem labaredas de um impetuoso e infinito calor, como se o meu coração se quebrasse em mil e um pedaços, e cada um deles se tornasse num fino pó que desaparecesse num instante ao sabor de uma leve brisa, brisa essa que me revolveria as entranhas, não se tratasse ela de um furacão que me deixasse o espírito numa inusitada dança, uma dança que eu não desejasse e que me deixasse tonto, como se o oxigénio faltasse nos meus pulmões e eu estivesse debaixo de água, no fundo do mar, e procurasse uma qualquer sereia que me levasse de volta à superfície, tapados os ouvidos para não sucumbir ao seu canto, como se não quisesse ouvir aquilo que me sussurram as estrelas, os segredos guardados que tivessem para me contar, segredos que me levassem até ti numa viagem no tempo...

... se a dor fosse apenas isto, iria ao teu encontro todos os dias da minha vida.


domingo, 1 de julho de 2012

Sem nome

Sónia Guerreiro
E ambos se olharam. E ao fazê-lo, tanto ele, como ela, puderam ver o mesmo brilho.

O sol, a nascer bem longe lá no horizonte, irradiando a magnitude de um novo dia.

O mar, numa majestosa dança entre ondas e marés, refrescando a terra à sua volta.

A amizade, aquilo que nos une a quem mais gostamos, naturalmente verdadeira e espontânea.

A vida, que quando partilhada com aquela pessoa, se torna singularmente bela e prazerosamente enigmática.

E isto, isto é tão-somente o amor. Com a certeza, porém, que nada sei sobre ele...