Saíu cedo de casa, naquele dia que nada tinha de especial, dirigindo-se – de imediato – para o bosque que circundava o local onde vivia. Este bosque, contrariamente a muitos outros que habitam o nosso vasto mundo, não tinha um único rasgo de magia. Apesar das árvores que o constituiam serem já velhas anciãs, algumas com mais de mil anos, o bosque não nos transportava para qualquer realidade diferente daquela que nos apresentava: um número de árvores sem fim. Grandes, pequenas, altas, baixas, com muita ou nenhuma folhagem, havia tantas árvores e tão distintas umas das outras, que o bosque se sentia capaz de desafiar os poderes da criação.
Mas o rapaz, movido pela notória ausência de magia experienciada na enorme floresta, há muito que decidira fazer algo para alterar aquele cenário.
Não era a primeira vez que visitava o ponto central do bosque, local que a maior árvore da floresta havia escolhido para criar raízes. Uma vez lá chegado, pôde constatar que todo o material que anteriormente havia colocado junto à grande árvore, se encontrava imaculadamente intacto: tábuas, cordas, roldanas, pregos e demais ferramentas próprias de carpintaria. Na sua mochila, trazia mantimentos para uns tempos de estadia.
Lançadas mãos à obra, ao fim de três dias encontrava-se realizado o objectivo a que se propusera: construir uma casa a meio da grande árvore, aliçercada pelos robustos ramos que a compunham. A uma altura de cerca de cinquenta metros do solo, a vista sobre o bosque era grandiosa, dada a imponência que a árvore ostentava.
No entanto, o inesperado tomou lugar. De repente, as nuvens cobriram o Sol, e um dilúvio como nunca antes fora visto abateu-se sobre a floresta. Choveu ininterruptamente durante dois dias inteiros, fazendo do rapaz prisioneiro da casa que acabara de construir. Quando, finalmente, as nuvens decidiram dar tréguas, o nível da água tinha atingido os dez metros de altura. E foi nesse preciso momento que o rapaz, que até então desconhecia a sua fobia, se apercebeu do pavor que aquela imensidão de água lhe causava. A hidrofobia havia-lhe sido transmitida pelos seus antepassados ancestrais, algo de que nunca poderá desconfiar.
Voltas e mais voltas deu no diminuto abrigo resultante do seu empenho, ao mesmo tempo que a chuva regressava e regava copiosamente o incomensurável jardim de árvores que era aquele bosque. O medo da água intensificava-se, agora, enquanto que o desespero começava a ganhar força dentro de si, uma vez que os mantimentos que lhe restavam não chegariam para mais que um par de dias de sobrevivência.
Mas foi então que, das águas negras que banhavam o solo da floresta, emergiu a Deusa “nascida-da-espuma”. Afrodite, a Deusa do Amor, voou até junto da casa de madeira, pairando em frente do rapaz. Na companhia de dezenas de pombas brancas, ela surgiu com os seus longos cabelos molhados pela água fria do novo mar, transmitindo ao rapaz uma inusitada segurança. Este contemplava a beleza sobrenatural da Deusa, entretanto hipnotizado pelo seu olhar penetrante.
Afrodite esvoaçou, por breves momentos, em torno do abrigo, fazendo daquele bosque um local extraordinariamente mágico. No instante seguinte, voou até ao rapaz, envolvendo-o nos seus braços e viajando com ele para bem longe. Encontrado um lugar seguro, a Deusa do Amor despediu-se do rapaz com um beijo carregado de sedução, e com a promessa de que um dia se voltariam a encontrar.
Os anos passaram-se. Foi há bem pouco tempo que decidi voltar ao bosque. A grande árvore permanecia igual, com a casa de madeira bem lá no alto. O impulso foi apenas um: subir até ao abrigo, o sítio onde se encontravam guardados os momentos de magia daquele dia já distante.
Seria hipocrisia se dissesse que a minha reacção foi de surpresa ou perplexidade.
Afrodite esperava por mim. E eu fui ao seu encontro.
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