terça-feira, 21 de setembro de 2010
O erro de Deus
Ele esperou por ela à janela. Esperou dias, meses, anos, uma vida inteira. Esperou até ficar bem velhinho, e o corpo se render a um imperativo a que chamamos morte. Não obstante, Deus restituiu-lhe a juventude e deu-lhe a possibilidade de voltar à Terra, no pressuposto de ver cumprido o seu desejo mais antigo: descobrir o verdadeiro poder do amor. Desde que havia criado o dia e a noite, o céu e a terra, o Sol e a Lua, a água, as plantas, as árvores, os peixes, as aves e os restantes animais, desde o dia que havia criado o Homem, Deus questionava-se sobre algo que, amarguradamente, desconhecia.
Após uma tentativa falhada, algo que nunca antes tinha ocorrido, Deus voltou a arregaçar as mangas e, em seguida, pôs mãos à obra. Desenhou o melhor desígnio que se achava capaz de projectar, colocando a pobre alma de novo na Terra e ressuscitando-a num lindo bebé.
O destino que lhe cabia era simples: ter uma infância perfeita, com uns pais e amigos perfeitos, numa escola perfeita, com a educação perfeita, na cidade perfeita. Aos dezoito anos, e partindo do pressuposto de que os Seus divinos cálculos, desta vez, não falhariam, o rapaz iria conhecer a sua cara metade, a sua alma gémea, a sua musa inspiradora. Aos dezoito anos, o rapaz iria conhecer o verdadeiro amor, permitindo a Deus a descoberta de algo que, apesar de se apresentar como Sua criação, transcendia a Sua compreensão.
E assim foi. Ou talvez não...
O rapaz cresceu forte, determinado, ambicioso. Aos seis anos já lia Tolstoi, aos dez anos praticava natação, futebol e judo, aos catorze anos já assumia um compromisso sério, aos desasseis anos cometia a sua primeira traição. Aos dezoitos anos entrava na melhor faculdade da cidade, aos dezoito anos tornava-se uma pessoa altiva, arrogante e preconceituosa, aos dezoito anos colocava termo a um namoro repleto de infidelidades. Deus sentia-se um ser errático perante aquele cenário que, salvo melhor juízo, considerava repulsivo.
Contudo, Deus acreditava ser ainda possível ocorrer uma mudança positiva. Deus estava crente de que, uma vez mais, os Seus cálculos haviam fracassado. Mas a vida é longa, e tempo foi algo que nunca Lhe faltou. E Deus, portanto, esperou.
Mas terá esperado em vão?
Aos vinte e um anos, o rapaz concluiu o seu curso. Aos vinte e um anos, ainda que dando seguimento aos seus estudos, o rapaz iniciou, igualmente, a sua carreira profissional. Aos trinta anos, com um considerável sucesso alcançado já como empreendedor, e após algumas relações mal sucedidas, o rapaz, agora homem, empenha-se no objectivo de constituir família. Aos trinta e cinco anos decide casar com uma mulher que não ama, e aos trinta e sete anos tem o primeiro filho da mulher que não ama. Aos trinta e sete anos, as traições multiplicam-se. Aos quarenta anos, o homem recorda a infância com saudade. Não se lembra da última vez que jogou futebol com os seus amigos, não se lembra da última vez em que foi feliz. Se alguma vez o foi de verdade.
Aos quarenta e cinco anos, viciado inveterado do álcool e do tabaco, o homem reencontra Deus no céu, após ter sido vítima de um ataque cardíaco fatal, momentos após se ter deitado ao lado da mulher que não ama.
Deus foi ingénuo. Deus, ao ver o homem perante Si, não foi capaz de conter o choro do desalento.
A obsessão de uma vida perfeita, induzida na mente da pobre alma, levou ao simples esquecimento do propósito que nos coloca neste belíssimo grão de areia do vasto deserto que é o Universo: sermos felizes!
O verdadeiro poder do amor não está nas mãos de Deus, mas sim nos nossos corações.
Deus errou. E nós, também.
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Profundo....
ResponderEliminar"Deus errou. E nós também. "
bjs
Mas ao longo do tempo, vamos tendo sinais para não esquecermos que o nosso propósito é esse, de sermos felizes. Depois fica ao critério de cada um. Sim, porque algumas pessoas não querem ver esses sinais!!!
ResponderEliminarÉ lindo o que escreveste. Mais uma vez estás de parabéns!
Bruna Pires