domingo, 5 de setembro de 2010

A aldeia


Mas que histórias fantásticas as daquela aldeia. A aldeia situada no fim do mundo, onde para lá chegar o comboio se perdia no meio dos vales e das montanhas.

Era a aldeia do poço mais fundo da Terra, da cobra-d'água do tamanho de dois homens adultos, do sujeito que nunca dormia e passava os dias e noites a contemplar o céu.

Era a aldeia do açude onde as mulheres não mais faziam que esfregar e lavar roupa.

Era a aldeia onde habitavam os maiores insectos do reino animal, e onde os morcegos eram do tamanho de águias para lhes poderem fazer face.

Era a aldeia da rã que vivia feliz num chafariz, do pequeno lacrau que corria por baixo dos meus pés, enquanto sentado no muro do quintal.

Era a aldeia onde os meus sonhos ganhavam vida, onde as minhas fantasias de menino se tornavam realidade.

Vinte anos depois, a aldeia não é mais a mesma.

O comboio fareja o caminho como um cão perdigueiro, mais rápido que a própria luz. O poço perdeu o seu encanto de construção assustadora, a cobra-d'água é pouco maior do que um palmo e meio. Quanto ao homem, que dizer de uma estátua que olha o céu sem azo a desatenções?

O açude é apenas uma lembrança, pois o ribeiro não resistiu à febre divina. Os insectos recuperaram a sua pequenez, os morcegos - resignados - seguiram o mesmo caminho.

O lugar onde antes existia um chafariz, é agora ocupado por um banco de jardim. Terá a rã regressado ao açude onde a água já não corre, e encontrado a companhia de um qualquer lacrau escondido debaixo de um seixo?

Rasgos de memória de uma infância não muito longínqua, vivida com anseio, paixão e muita fantasia.


2 comentários:

  1. Ia gostar da antiga aldeia =) São memórias lindas e repletas de magia! Adoro!

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  2. Se era uma aldeia onde as mulheres mais não faziam que esfregar e lavar roupa, já estou a imaginar as ovelhas a fugirem dos homens!

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