segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Irmão de sangue


Terá sido há bem pouco tempo que, silenciosamente, a nossa amizade completou uma década. Quem sabe se, no momento em que a Terra terminava a sua décima volta em torno do Sol, contadas desde o momento em que nos conhecemos, não estaríamos em amena cavaqueira num qualquer local que nos seja familiar, brindando à nossa amizade?

Mas o que procuramos nós, afinal, num amigo? Empatia, honestidade, lealdade, confiança, altruísmo? Será tudo isto, mas ainda muito mais. Sou levado a crer que, num amigo, procuramos algo muito semelhante a um espelho de nós mesmos. Desta forma, não existe uma fórmula mágica para uma amizade especial: em primeiro lugar, teremos que gostar de nós próprios. Contrariando esta premissa, seremos impelidos a não gostar da imagem reflectida no espelho, o que dificultará a tarefa de termos alguns verdadeiros amigos.

E, em suma, é isso mesmo que tu és: um inestimável e verdadeiro amigo! Alguém que, apesar do interregno conhecido, nunca deixou de estar presente. Alguém que, na realidade, considero um irmão de sangue, tais são os princípios, valores e sonhos partilhados.

Que a nossa amizade seja sempre tão forte como a mais antiga das árvores deste mundo. Que resista às intempéries que possam surgir, quaisquer que sejam elas. Que contribua, com a sua quota-parte, para a sólida união existente no nosso núcleo duro de amigos.

Um bem haja à nossa amizade. Que esta seja eterna!


terça-feira, 16 de novembro de 2010

A serpente


Será, a coerência, uma virtude para quem a apresenta? Sê-lo-á, certamente, sempre que esta se apresentar como algo positivo. Se alguém se mantiver fiel a maus princípios, ou seja, coerente relativamente aos mesmos, que sobranceria será a sua ao sentir-se alguém especial? Sentir-se especial por ser... coerente? Afinal de contas, ser coerente não é sinónimo de ser virtuoso. Ou estarei enganado?

E por falar em engano, faz já algum tempo que conheci uma pomba (sem fel?). Era uma pomba majestosa, magnífica, uma autêntica divindade. Tinha uma envergadura de asas fabulosa, capaz de abarcar uma multidão inteira. Em suma, tinha um coração filantropo (de pomba?).

No entanto, de quando em vez, a pomba parecia mudar de aspecto. Esfriava o sangue e caminhava rastejando. Apesar desse feito, a sua beleza era tal que, ainda que me parecesse uma serpente, imprimia em mim um agradável sentimento de admiração.

Um dia, e agora que recordo melhor a situação as certezas ganham forma, podia jurar que a pomba se havia transformado, de facto, numa serpente. Peguei num dicionário, procurei a letra S, folheei mais umas páginas e eis que:

Serpente, s. f. (fig.) pessoa pérfida e traiçoeira (Do latim serpens).

O meu corpo estremeceu. Poderia ser verdade aquilo que acabara de ler? Era impossível, ou pelo menos assim eu o desejava. A pomba era uma... serpente? Impossível, era impossível! Voltei a pegar no dicionário, tendo procurado, desta feita, a letra P:

Pomba, s. f. (fig.) pessoa bondosa.

Tentei, de todas as formas à minha disposição, encontrar nisto alguma coerência. Desisti, deitei fora o dicionário e tratei de conseguir libertar-me do preconceito que não me abandonava o espírito.

Procurei gostar da serpente, mas... adivinhem?


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Nobre orgulho


Quando via surgir nela um ego do tamanho do mundo, o seu amor era reduzido a cinzas. O seu sentimento tornava-se tão estranhamente paradoxal, que rapidamente se incendiava dentro de si a vontade de alcançar semelhante ego.

A soberba que, a ela, era latente na maior parte das situações do quotidiano, assumia um estado de explosão incontida quando ele decidia demonstrar por si aquele amor imensurável.

Quantas não foram as noites em que ele, deitado ao luar e com o olhar fixo nas estrelas, reflectiu sobre aquela altivez agridoce que lhe consumia o espírito. Quantas não foram as vezes em que ele, cansado de ceder, decidiu colocar um ponto final numa história cujo começo, aos olhos dela, não fora se não mais que um acaso fortuito.

Mas o ser humano, com a sua desmedida capacidade de resistência ao sofrimento, é capaz de virar o mundo às avessas em busca de alguma esperança. Infelizmente, são demasiadas as vezes em que isto se revela um erro crasso.

Esta história, cujo final até o mais ingénuo será capaz de desvendar, não será a excepção à regra.

No dia em que ela lhe sentiu a falta, no dia em que o seu nobre orgulho se deixou vencer pela crescente carência do seu coração, ele já havia partido.

Por fim, ela chorou. Chorou lágrimas insolentes, mas chorou.


terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dois velhos amigos


Cada passo que davas, em cada pedra daquele chão nefando e tenebroso, era um passo a caminho da escuridão total. Atrás de ti, um milhão de espíritos à procura de redenção.

Quando abrias os braços, duas imponentes asas surgiam misteriosamente, de uma forma mágica e apenas ao alcance dos predestinados. O teu maior defeito? A fidelidade aos princípios reservados aos grandes pensadores: honra, honestidade e camaradagem.

No dia em que me cruzar com a escuridão, sei que estarás à minha espera de braços abertos, qual tutor aguardando o seu aprendiz favorito. Mostrar-me-ás o caminho mais difícil, aquele que me permitirá sentir o doce sabor da vitória sobre a morte.

Pois quando a morte me piscar o olho, sei que serás o meu braço direito, o Anjo Negro que estará ao meu lado enquanto os Santos dormem o sono dos justos.

E se, no Reino de Deus, eu subtrair ao soberano o seu lugar, num acto de exasperação e pura cupidez, eu tornar-me-ei, então, no teu preceptor. E, nessa altura, serei para ti o mestre obsequioso que me ensinaste ser.

Reunirei, em ti, a força de mil Anjos, a filantropia de mil Santos.

Nesse dia, o abraço de dois velhos amigos será mais poderoso que qualquer Deus.