quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Falls Church: a Estória do Assassino


Sorumbático, o assassino caminhava pela West Broad Street da pequena cidade de Falls Church, no Estado Americano de Virgínia. Dirigia-se para o lado Este da povoação, afectado por um estranho sentimento de repugnância por si mesmo.

Havia cometido um crime hediondo, pelo qual já havia nutrido um enorme orgulho. Neste momento, era acometido por uma repulsa sem fim, procurando a todo o custo a redenção junto de Deus. Mas Deus não o queria perto de si.

Em cada cruzamento que se apresentava no seu caminho, aí estava o Diabo a espreitá-lo, a medir os seus movimentos, a sentir o seu cheiro fresco de homicida.

Ainda que o assassino tivesse perdido os seus óculos, e a sua miopia não o ajudasse a discernir um abeto de um cipreste a uma distância de dez metros, este já tinha percebido que não se encontrava sozinho na então solitária e estranhamente fantasmagórica Falls Church.

Enquanto o Sol se punha, e perante o olhar atento do Todo-poderoso, o Diabo propõe a si mesmo o jogo do “gato e do rato”. Há muito que ansiava por um pouco de diversão, e eis que este momento se afigurava magistral para o efeito.

O assassino acaba de avistar um vulto na esquina da North Fairfax Street. Quase que instantaneamente, o Demónio procura esconder-se atrás de uma árvore de porte médio. De fora fica apenas a sua cauda sibilante, cortando o vento melodiosamente.

Assustado, e julgando estar a delirar, o assassino empreende uma fuga rápida pela Lawton Street, tentando – desesperadamente – chegar ao Falls Church Park e ao seu denso, embora diminuto, bosque.

O Diabo, não dispondo do dom da ubiquidade, prontamente assume o papel de gato, procurando alcançar avidamente a sua presa.

O assassino chega ao Falls Church Park com os bofes de fora, ofegando descompassadamente. Com um revólver de calibre trinta e oito na mão direita, recorda-se, a custo, do crime cometido há uns dias atrás. Parece conseguir, por momentos, sentir o aroma do salitre, do enxofre e do carvão, numa composição explosiva que denominamos de pólvora. Esta breve sensação deixa-o sombriamente empolgado, desejando voltar a avistar o vulto de há pouco.

Apercebendo-se da existência do revólver, e temendo pela sua vida, uma vez que de carne e osso também é feito, o Diabo prepara uma verdadeira cilada ao assassino. Com garras de felino, sobe sorrateiramente ao topo do freixo mais alto do bosque. Enquanto isso, o assassino puxa para fora o tambor do seu revólver, conferindo o número de munições: depois do frenesim de há dias, apenas lhe sobraram duas.

A uma distância de vinte metros do solo, o Demónio deixa escapar um sorriso diabólico, ao mesmo tempo que parte silenciosamente um ramo e o atira para junto da base da árvore, procurando trazer até si o assassino.

Ao ouvir o barulho causado pelo impacto do ramo no chão do bosque, o assassino aponta o revólver para o ar, puxa o cão atrás e prime freneticamente o gatilho, numa clara tentativa de amedrontar o vulto escondido.

Pois o projéctil, quem sabe por inspiração divina, rasga o ar na precisa direcção do Diabo, que se encontrava aninhado no ramo mais alto do freixo.

Diz quem sabe, por inconveniente conhecimento de causa, que se assemelha a uma picada de agulha. Pois terá sido o Diabo, certamente, presenteado com diferente dor, visto que quando a bala rompe por completo o tendão de aquiles do seu pé esquerdo, um grito lancinante irrompe do Falls Church Park, prolongando-se até ao momento em que este se estatela no solo.

O assassino, estupefacto, aproxima-se da Besta, com um olhar febril e experienciando uma friúra interior imensurável. O Diabo geme com dores, ao mesmo tempo que o assassino roda o tambor do seu revólver, no qual sobra agora uma munição. Dirigindo-se ao Demónio, com os olhos incendiados pela loucura, pergunta-lhe de forma seca e sem rodeios:

“Vamos jogar à roleta russa?”


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