segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Adónis

Ele tentava, sem sucesso, recriar a alegoria perfeita no papel, a alegoria que se pudesse equiparar àquela história do casal bíblico em que ela comeu a maçã errada e que, à conta disso, o mundo ainda hoje se encontra por endireitar. Nasceu torto, esforço vão.

Papel rasurado, papel rasgado, papel deitado fora.

Ali se encontrava ele, ébrio pelos seus próprios sonhos, aqueles que passavam por si à velocidade da luz, alguns deles infrenes, outros tantos amenos, a maior parte de distinta beleza.

A bolha de oxigénio era imensurável, flutuando ao sabor da inexistente gravidade. Dentro dela, ele flutuava, igualmente, sem sequer se dar conta da levitação de que o seu corpo era capaz.

Os pensamentos surgiam, com a mesma rapidez que o abandonavam. Claudicava, sempre, assim que relia o que acabara de escrever.

Em certo momento, um dos seus sonhos atinge em cheio a cápsula onde este se encontrava, deixando escapar - para o vazio - todo o oxigénio que aquela continha. O nosso adónis, enchendo o peito de ar, mergulha no indómito sonho que se cruzara no seu caminho e, ainda que insone, avança diretamente para o seu âmago, sem nunca olhar para trás.

Reencontra, então, o seu onírico coração, há muito perdido. Consumada a descoberta, volta a si no mesmo instante.

Estás ali, a seu lado, aninhada junto ao seu coração. O local? Desconheço... diria que uma folha de papel.

Sonho raro, este.