terça-feira, 20 de julho de 2010
Menino de palmo e meio
Levantas-te bem cedo, quando o Sol ainda está longe de nascer. Não tens mais que quatro aninhos, a pele queimada pelo astro imperador.
Pões-te a caminho com os teus irmãos, numa jornada repetida dia após dia, onde os sonhos perdem força e o destino tem medo de sorrir.
São cerca de vinte quilómetros a distância que te separa do teu quotidiano. Sob um calor que não teme mostrar a sua força, que não dá tréguas, caminhas pela areia fina do deserto até à barraca que te servirá de abrigo.
Quando me vês, corres até mim com o intuito de me venderes os teus fios feitos à mão. Fico encantado com a beleza dos mesmos, cada um deles carregando uma pequena pedra em forma de coração. Os fios parecem ganhar vida nas tuas pequeninas mãos, com as pedras a reluzirem o esplendor da luz solar. O relógio marca as onze horas da manhã, quando o calor já se torna insuportável no deserto do Saara.
Não hesito um segundo em retirar o dinheiro para te comprar meia dúzia de fios. Pois é num gesto quase mecânico que levas a mão direita ao bolso das tuas calças, e de lá retiras o troco certo para me dares. “Fica com ele”, digo-te espontaneamente. Vejo os teus olhos verdes refulgirem uma última vez, ao mesmo tempo que viras costas e corres para o próximo turista.
Foi na Tunísia que te conheci, menino de palmo e meio.
segunda-feira, 12 de julho de 2010
A viagem
Quinze de Agosto do ano Dois Mil e Oito. Acordas com uma ligeira dor de cabeça, massacrado pelo contínuo calor nocturno. O termómetro do teu relógio despertador marca vinte e oito graus celsius. O teu relógio despertador marca as seis horas da manhã.
Não perdes tempo. Tomas um banho rápido, comes uma fatia de pão torrado e bebes um copo de leite frio. A indumentária é a própria desta época. Calçado confortável, uns calções pelos joelhos e uma t-shirt cor da luz. Num dia quente como o de hoje, não vais querer o Sol a rasgar-te o peito.
Sais à pressa de casa, já com uma mochila às costas e o passaporte na mão. Não havias percorrido quinhentos metros, por uma das sete colinas da tua cidade, quando fazes sinal ao condutor do primeiro táxi que avistas. “Para o aeroporto, por favor”, dizes-lhe, logo após teres proferido o “bom dia” mais áspero do último ano.
A viagem até ao aeroporto decorre sem quaisquer sobressaltos. Já no seu interior, e cumpridas as formalidades necessárias para quem se prepara para levantar voo, diriges-te para o local de embarque.
É num ápice que te vês transportado para o outro lado do oceano. Aterras no Aeroporto de Newark, onde te espera um amigo. Trocam um abraço sentido, e logo seguem caminho no seu carro americano. O destino encontra-se em Englewood, a cerca de vinte milhas do Aeroporto.
O teu amigo roda a chave na ignição, a curta viagem chegou ao fim. Abres a porta do carro para sair, quando o relógio marca as treze horas. Cruzas o portão do Brookside Cemetery, sob o olhar atento do teu amigo, que entretanto já se encostou à chapa quente do seu bólide.
As saudades apertam-te o coração, o sangue circula pelas veias mais veloz que nunca. Sentes um nó na garganta, uma vontade imensa de chorar. Os duzentos metros que andaste a partir da entrada, pareceram-te os mais de cinco mil quilómetros de voo que havias acabado de fazer.
Foi em frente da lápide que almejavas reencontrar, que a primeira lágrima caíu no solo verdejante. Aninhas-te a seu lado, tentando alcançar a sua respiração.
“Quinze de Agosto do ano Dois Mil e Sete. Tua para sempre…”
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