quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Prosopopeia épica


Numa prosopopeia épica, falarás hoje tu por mim, meu blogue. Conceder-te-ei plenos direitos – e, também, plenos deveres – para que fales em meu nome e partilhes, com os demais, aquilo que apenas tu sentes.

Blogue: - E o que poderá sentir uma página de internet, actualizada de quando em vez, se não passa disso mesmo: uma página de internet?
Eu: - A designação, não haja dúvidas, é deveras impessoal. Mas, se te quisermos dar alguma importância, ou a importância devida, não serás tu um pomposo documento disponível a qualquer tipo de utilizador, tanto em Portugal como na China?
Blogue: - Vejamos… se tu me escreves em Português, para que servirei eu… na China?
Eu: - Bem, a China, como quase todos os países por esse mundo fora, tem uma comunidade portuguesa!
Blogue: - Claro, uma comunidade com duzentas pessoas, todas de olhos em bico à espera que publiques um texto.
Eu: - Ei, a China foi apenas um exemplo, ok? Disse a China, como poderia ter dito a Nova Zelândia.
Blogue: - Nova Zelândia, pois está claro, um país que nem representação diplomática portuguesa tem. Tens a certeza de que queres continuar a mandar nomes de países para o ar? Ou vais dizer-me que as vacas neo-zelandesas falam português?
Eu: - Pronto, já te entendi. Não queres dialogar, assim seja. Eu saio de cena, e tu passas a recitar monólogos, que tal?
Blogue: - Sabes qual é a percentagem de portugueses a viver na China, face à população total do país? É de 0,00000015%. Tanto português a viver na China…
Eu: - Mas será que eu fiz mal a alguém, ao ponto de ter que ouvir os comentários azedos do meu blogue, no meu próprio blogue?
Blogue: - Não tens sido justo com deus…
Eu: - Só me faltava essa!
Blogue: - Nem mesmo com o diabo…
Eu: - Estás a passar das marcas!
Blogue: - Passar das marcas, ou ir além do limite das conveniências?
Eu: - Sabes que mais, esta conversa termina aqui!
Blogue: - Não termines, coloca antes os limites em.
Eu: - Ó blogue dum raio!
Blogue: - Cá estarei para te servir, meu mestre…

FIM


segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Razão de Ouro


A ponta farpada da haste rasga-me o peito com a mesma leviandade que um lápis perfura uma simples folha de papel.

Atordoado, sem perceber donde nem porquê tal objecto surge na minha direcção, sinto a gravidade a incumbir-se de completar o cenário.

O meu corpo é puxado violentamente para o solo, deixando-me a contemplar o céu estrelado.

Tomo consciência do entorpecimento que me invade as veias, mas, ainda assim, sozinho naquele ponto à beira-mar, consigo ouvir o suave canto vindo do horizonte. O calor que se sente é reconfortante, contrariando a angustiante solidão que me envolve.

Ter-me-á sido declarada guerra, sem que me apercebesse de tal? E se sim, de que cor virá pintado o inimigo? Da cor da guerra, aquela que nos é sublimemente apresentada quando a morte se dá a conhecer?

O meu pensamento procura-te longe, bem longe deste lugar. O rebentar das ondas aproxima-se dos meus pés, e o meu desejo é apenas um: que te cruzes no meu caminho.

A natureza, através das suas redes invisíveis, dá o seu contributo à concretização do desejo. Sinto-te perto, bem perto.

Ao fechar os olhos, sentindo o coração mais sereno que nunca, ouço a tua voz chamar por mim. Aproximas-te, dás-me o teu colo e afagas-me os cabelos.

De olhos ainda fechados, sou invadido pela tua beleza, aquela que dá sentido à Razão de Ouro.

O teu abraço faz-me ressuscitar. O teu beijo, esse, faz nascer um novo eu...


terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Um calor infernal


Abri a janela e voei. Voei para bem alto, donde os carros pareciam de brincar. Com os braços abertos e os pulmões cheios de ar, bastava desejar com muita força para que o voo fosse possível.

As correntes de ar frio aqueciam-me o espírito, reservando-me tempo para compreender tamanho paradoxo.

Entretanto, foi numa nuvem de tempo ameno que encontrei alguns amigos. De imediato me convidaram a sentar junto deles, enquanto conversavam com um indivíduo que nunca eu antes tinha visto. Uma misteriosa névoa envolvia o sujeito, tanto que a dois metros de distância me era impossível descrever o seu semblante.

O ambiente era estranho, começando a sentir-se um calor desconfortável naquela nuvem de tez branca, como se de uma pessoa se tratasse.

O indivíduo falava de personagens marcantes da história da humanidade, rindo-se dos seus perversos e repugnantes feitos. Falou de Calígula e a sua esquizofrenia bárbara, de Nero e a sua tirania desmedida, de Átila e o seu reinado de terror e destruição.

Fazia calor, cada vez mais calor. O indivídulo animava-se ao relembrar o Príncipe Vlad Drácula e os seus métodos de tortura e execução; deleitava-se ao recordar Ivan IV, o “Terrível”, e os seus catastróficos acessos de fúria. Os seus olhos brilharam quando a Condessa Isabel Báthori e o seu sadismo assassino despertaram na sua memória.

O calor tornara-se infernal. Era a vez de Estaline, Hitler, Pol Pot e Idi Amin Dada ganharem vida nas palavras do indivíduo. Ria-se com vontade ao descrever os genocídios perpetrados por tais figuras.

Quando a temperatura atingiu o seu auge, e quando todos nós, com excepção do indivíduo, parecíamos caminhar para um desfalecimento abrupto, este pediu-nos que olhássemos rapidamente para o Sol.

Olhos fitados na estrela, tão depressa fitados novamente no indivíduo. Assim o julgávamos nós, pois este havia desaparecido.

Foi enquanto o Diabo esfrega um olho.